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O que quer fazer ver e falar uma clínica das imagens?

  • Foto do escritor: Renata Peres
    Renata Peres
  • 27 de jan.
  • 3 min de leitura

Quando comecei a pensar na minha prática como psicóloga, fosse ela de forma de atendimento individual ou grupal, sempre me vinha em primeiro plano a recusa de uma clínica de métodos tradicionais, ou seja, não me sentia plena ao acessar a psicanálise, ou a TCC, ou teorias humanistas.


Mas eu precisava encontrar um lugar, não dá pra começar a pensar a prática sem ter uma oca pra onde voltar, seria muito difícil viver com meu barquinho à deriva sem nenhuma sustentação ou um farol.


Nessa procura encontrei primeiro a Filosofia da diferença (que vai muito além de Deleuze e Guattari), lembro até hoje do dia que eu li 3 vezes a página 12 do livro Subjetividade e Verdade do Foucault. Eu nunca consegui ler mais que o primeiro capítulo, aquelas páginas reviraram meu avesso, e eu só pensava "eu quero pesquisar isso: o que faz uma sociedade como a nossa nas subjetividades?"


E depois disso eu sonhei muito. Literalmente: já antes da pandemia eu não compreendia a sensação ao acordar e lembrar de detalhes de sonhos - cores, sons, cheiros - aquela experiência era muito diferente do que freud caracterizava como "desejos reprimidos do inconsciente". Não era isso, definitivamente.


Ai foi o segundo encontro: encontrei o pensamento dos povos indígenas, e encontrei Jaider Esbell e a Arte Indígena Contemporaânea (AIC). Que alívio!


Foi com o A Queda do Céu do Kopenawa que eu pude ter outra perspectiva sobre os meus sonhos. Foi, e ainda é, naquelas página que eu encontro refúgio: para os Yanomamis o sonho é um tempo e também uma imagem, tudo que é existe só existe por ter uma imagem. Parece confuso mas não é: onde o ocidente vê uma alma, os indígenas veem uma imagem. A pele tem uma imagem, o corpo tem uma imagem, o sonho tem uma imagem e por isso é possível sonhar: é só através dessas imagens que a imagem daquele que sonha pode voar longe.


Eu comecei no sonho, mas me encanei com a possibilidade da imagem: ao contrário da alma, a imagem não consegue ser categorizada na binaridade bom-mau. É um escape às formas de existência que ainda nos formam a partir de querermos ser bonzinhos. (Aqui recomendo a leitura do livro Bem-Comportadas da ELise Loehnen)


Daí o estalo: Quantas vezes o que estamos na clínica, ou em grupos, parte de uma complexa relação de uma sensação de "não sou boa/bom o suficiente", de "não posso errar", que em uma análise profunda vem justamente da binaridade bom/mau? Como escapar? como fazer um furo para poder respirar?


Mas ora, existe um pensamento que não opera nessa lógica binária, existe ou resiste (nota do artigo do grosfoguel), um pensamento, uma cosmologia que pensa a existência a partir dessa imagens: a cosmologia indígena.


Foi ai então que eu precisava de cuidado. Primeiro: como se relacionar com o pensamento indígena sem colonizá-lo? Segundo: como utilizar o pensamento indígena para questionar a nossa branquitude e o que ela produz e produziu em termos de teoria psicológica?


A saída continuava nela: a imagem. Foi pensar a partir do conceito de imagem que eu comecei a condesar algumas premissas do que eu chamo de Clínica das Imagens.


1 - Uma imagem não consegue ser caracterizada como boa ou ruim, apenas analisada a partir de um contexto. Assim uma imagem funciona ou não funciona.


2 - Partindo do pressuposto que o inconsciente é instituído, ou seja, é uma trama de várias instituições (família, religião, saúde, educação...), se perguntar: Quais são as imagens que compõe essa pessoa? Quais são as imagens de família que antecedem ela? Quais são as imagens do que é ser um homem/mulher/pai/mãe/filha/filho que ela conhece? Essas imagens enrijecem ou ampliam os modos de existência dessa pessoa?


3 - Partindo do conceito de cartografia, seria possível criar um mapa imagético de uma pessoa ou um grupo?


4 - Quais elementos podemos retirar ou adicionar quando, na clínica ou em um grupo, alguém nos mostra uma imagem que enrijece os modos de existência;


5 - Em uma imagem é possível experimentar com mais facilidade.


Essas são algumas perguntas que me faço sempre que estou acompanhando algum processo e que precisamos ampliar ou afrouxar as imagens que uma pessoa carrega consigo. Imagem de capa: “De onde surgem os sonhos”, 2021, Acrílica e posca sobre tela, 112 x 232 cm - disponível em: https://www.premiopipa.com/pag/jaider-esbell/


 
 
 

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